segunda-feira, 26 de julho de 2010

A fuga para o futuro no “novo Espírito Santo”

Na edição de hoje, abro espaço para um artigo escrito por três integrantes da ONG Transparência Capixaba: Délio Prates (vice-presidente da Comissão Especial de Combate à Corrupção e à Impunidade da OAB Nacional), Leonardo da Costa Barreto (promotor de Justiça) e Rafael Simões (historiados e professor universitário). Eles tratam da situação política no Espírito Santo a partir da perspectiva da instituição. É uma análise rica e bem elaborada. Boa leitura!

"Um dos efeitos mais nefastos do atual arranjo de poder que domina a política capixaba há mais de sete anos é a destruição da política como forma de solução de conflitos e de negociação em busca de soluções de nossos vários problemas político-institucionais e socioeconômicos.

A destruição da política é feita por meio da interdição do debate público, do controle da maior parte dos partidos políticos e das entidades da sociedade civil organizada (seria melhor dizer controlada), da mistificação da realidade social por amplas campanhas de propaganda, da influência exacerbada do poder executivo sobre todos os outros órgãos e poderes, do arranjo operado com as grandes empresas e suas organizações, entre outros aspectos.

O arranjo de poder que controla a política do Espírito Santo se caracteriza pela “fuga para o futuro”. Com um discurso articulado e politicamente correto sustenta-se, no imaginário público, como tendo criado as condições para que o Espírito Santo dê o salto para o futuro com base na situação que afirma ter construído.

Quando olhamos as coisas mais de perto, no entanto, o que vemos são, no máximo, símbolos de uma falsa prosperidade que nega a se concretizar no dia a dia das pessoas. Temos ponte estaiada. Sim, um símbolo de nossa modernidade e realização que, no entanto, não consegue esconder o caos diário de nossa mobilidade urbana.

A fuga para o futuro aqui se dá pela apresentação de uma série de alternativas que não se concretizam. Temos possibilidades de 4ª ponte, túnel, faixa exclusiva para ônibus e muito mais. Temos no papel, em gráficos, maquetes ou arquivos de computadores.

Temos um novo Hospital Central e um novo Dório Silva. Sim, mas temos filas em hospitais (que curiosamente não são mais mostrados de dentro) e a incapacidade de minimamente organizar o sistema de saúde com profissionais qualificados e motivados em quantidade suficiente para atender à sociedade.

A fuga para o futuro aqui se dá pelo discurso de que nunca se investiu tanto em saúde quanto nesse período e que com as novas estruturas físicas que estão surgindo as coisas vão melhorar.

Temos novas escolas com belos prédios e acesso à Internet. Sim, mas temos péssimos índices em exames nacionais de proficiência da língua e de conhecimentos matemáticos. Temos um corpo docente amedrontado pelas condições de trabalho e a violência, assim como temos também muitos projetos e poucos resultados.

A fuga para o futuro aqui é clássica. A educação produz resultados a longo prazo. Estamos, segundo se afirma, construindo as condições para que essa realidade seja alterada.

Temos novos veículos para as polícias e mais policiais, como demonstram os concursos públicos amplamente anunciados. Sim, mas temos um número de policiais que hoje é o mesmo de meados da década de 1980, que está desmotivado e com baixa capacidade de resolução, como bem nos provam as caóticas estatísticas do setor seguidamente apresentadas.

A fuga para o futuro se dá aqui com a afirmação de que esse é um problema nacional e até internacional e que medidas de prevenção e estruturação do setor nos levarão a melhores índices no período subsequente dos anúncios dos sempre piores índices.

Temos novas prisões. Sim, mas as velhas e as novas, como amplamente anunciado, funcionam como masmorras que já foram até mesmo internacionalmente denunciadas.

A fuga para o futuro aqui se dá pela mistificação dos grandes números de investimento realizado que, quando anualizados, comprovam investimentos de pequena monta e que tratam detentos como dejetos humanos.

Temos desenvolvimento econômico. Sim, mas com renda ainda muito concentrada e com impactos ambientais profundos. Todo o processo de licenciamento ambiental, por sinal, é feito de forma pouco esclarecedora sobre esses impactos para dizer o mínimo.

Aqui não há fuga para o futuro. O governo apresenta índices de aumento de produção e emprego, apenas de forma descontextualizada, criando a impressão de um desenvolvimento que os capixabas não conseguem dele se apropriar.

Temos um novo arranjo político-institucional. Temos sim, apenas que baseado na subserviência de uns para outros e não na compreensão do diálogo e da construção comum. Um esquema de poder que privilegia pessoas e não a criação de condições legais que permitam a criação de um poder público sustentado na liberdade, na autonomia, na responsabilidade, no compromisso com a sociedade e com as normas legais. Uma situação onde tão somente aqueles que assentem com a dominação estabelecida são chamados a serem ouvidos e a opinar.

A fuga se remete, nesse caso, ao passado, com a constante presença do “monstro” do crime organizado que, renitente e persistente, pode voltar a qualquer momento se o atual modelo não for mantido. Não se falam, no entanto, em providências estruturais para que isso se torne mais difícil.

Temos um Espírito santo sem tantas denúncias de corrupção quanto nos períodos anteriores. Sim, mas temos corrupção ainda, como comprovam vários casos que aparecem, e, ainda pior, sem nenhuma política efetiva e preventiva de combate, que inclua integração de órgãos, mapa da corrupção, polícia investigativa, transparência pública, profissionalização da administração pública e mais.

A fuga aqui se dá pela apresentação da figura pública do governante e dos resultados supostamente conseguidos no combate aos anti-heróis da corrupção. Política como imagem, não como substância.

Temos um serviço público organizado. Do ponto de vista dos pagamentos dos salários em dia é inegável que isso tem acontecido, o governo, inclusive, divulga calendário anual. Como recentemente demonstrado, no entanto, crescem o número de servidores comissionados e temporários e diminui o de efetivos concursados. A possibilidade, ao menos ela, de influência política é clara.

É assim, oprimindo o debate público e construindo essa fuga para o futuro, que a política tem sido destruída no novo Espírito Santo. Será grande o esforço para podermos reconstruir o espaço público em nosso Estado. Temos confiança, no entanto, que teremos, enquanto sociedade, de fazer isso nos próximos anos. O momento eleitoral deve ser aproveitado por todos que querem colaborar na construção de um Espírito Santo para todos os capixabas para desinterditar o debate público e retomar uma agenda de progressivas mudanças, políticas, institucionais, econômicas, sociais, ambientais, de desenvolvimento, portanto."

Quer receber as atualizações desse blog todos os dias por e-mail? Então envie uma solicitação para fernandomendes.fm@gmail.com.

Siga-me também no Twitter!

Atenção: Os comentários postados por internautas aqui não refletem as opiniões do autor deste blog. Textos que contenham termos pejorativos de qualquer natureza não serão publicados.

Um comentário:

  1. Às vezes, as pessoas ficam procurando chifre em cabeça de cavalo, só pra divergir, ser "do contra". Até conseguem identificar as mudanças para melhor que o Estado está vivendo, mas persistem em usar a lente turva da crítica fácil. E uma pena ...

    ResponderExcluir